março 28, 2009

Para o menino com o sorriso sincero.


O centro da cidade vibra meu pânico de multidão. São pessoas esbarrando em mim e gesticulando palavras que eu não entendo. Meus fones de ouvido protegem minha cabeça de toda a dor acústica e me vendem decibéis mais ternos. Minha vida não importa pra esses humanos que me atropelam sem rodas. São todos viventes de seu próprio caminho e cruzam o meu por destino ou precisão. Se por acaso eu parasse, seria somente por minhas pernas perderem seu sentido entre tantas outras.
Eu posso ver - por todos os lados, por todos os poros. Respirações longas e curtas, afobadas, vivas - mas não enxergo. Exatamente à minha frente, focaliza uma imagem, apenas uma. Eu jamais me esqueceria de tal visão. Se por acaso eu dormisse, seria apenas por não ter forças em manter meus olhos fixos.
Mesmo depois de conhecer vários e novos sorrisos, o dele ainda é o meu preferido. Eu e a minha mania com dentes e caráter. Tenho certeza que ele é bom porque sorri de verdade. Entre tantos medos e mortes da solidão em meio à todos, alguém sorri sorrindo. No meio de tudo, alguém pareceu se importar e demonstrar caráter. Ainda que eu parasse no tempo e buscasse a razão, seria só por não encontrar opções de fuga quando me prendo na hipnose dos olhos sorrindo.
Devolvo o olhar por não saber o próximo segundo e pela vontade de estender o momento pela eternidade. Parecemos mútuos no desejo de viver pra sempre no agora só pela companhia extraordinária. Se eu viro as costas e entro no ônibus, é porque assim havia de ser e porque a força humana me empurra na direção contrária ao impulso inicial. Por quê?
Talvez fosse a exata sintonia, do exato alinhamento, da exata fração de segundo que motivasse duas presenças tocadas dessa maneira. E se existir um próximo encontro, por mais breve e estático que seja, será só pelo encanto do sorriso mais sincero do meu caminho.

março 24, 2009

Ocupado.



-Alô...
-Alô?
-Oi, é a Verônica.
-Verônica? Que Verônica?
-A Verônica... Não sei, cara... Qualquer uma.
-Como qualquer uma? Eu te conheço?
-Qual o critério de conhecer? Você já sabe meu nome...
-Moça, você tá bem? Com quem você quer falar?
-Não sei...
-Não sabe o quê?
-Se eu tô bem... Com quem eu quero falar...
-Olha, eu vou desligar que eu tenho mais o que fazer...
-Espera!
(silêncio)
-Tô esperando, você vai falar mais alguma coisa?
-Não.
-Então eu vou desligar.
-Não, não desliga. Então eu falo.
(silêncio)
-Olha, eu realmente não tenho tempo pra essas coisas, se você não tem mais nada pra me dizer, tô desligando.
-Eu tenho. Tenho um milhão de medos presos aqui nessa linha. Se você desligar, sua vida vai seguir. A minha vai ficar contida nesse aparelho eletrônico. Eu já sou contida de tantas maneiras... Na verdade eu só queria te dizer que por mais que o tempo passe, não consigo preencher meus buracos. Eu olho em volta e não procuro nada. Só porque eu sei que não há nada. Só porque eu sei que o nada que eu quero tá longe de mim. É tudo um enorme, frio e presente nada. Um vazio do tamanho da minha quase existência. Eu quase existo, sabia? Afinal, quem existe por inteiro? Eu não. Eu sou metade amada (porque ninguém me assume por inteiro); metade interessante (porque assusto quem eu quero aproximar e frustro os que ignoram minha muralha); metade culpada (porque ninguém tem obrigação de me amar de verdade quando eu crio bloqueios tristes e vazios). Se você quiser desligar, tudo bem. Eu só tava fazendo drama. Claro que eu vou sobreviver, né? Nunca precisei de uma ligação pra me manter inteira. Mas me diz, e você, tá bem?
- ...